Nem seu cabelo, nem seu turbante vão te livrar do racismo
Publicado há 1 dia - em 27 de agosto de 2015 » Atualizado às 9:32
Categoria » Artigos e Reflexões
Eu
sou uma entusiasta do empoderamento estético há anos. Pessoas negras
perdem emprego por serem esteticamente diferente do padrão eurocêntrico
imposto nos principais meios de comunicação. Pessoas negras são alvo de
perseguição na escola, são preteridas em lugares elitizados, impedidas
de adentrarem nos templos de consumo, tudo isso por manter sua estética
tal qual ela é. Sempre, em algum momento da vida de um negro, ele ouviu
alguém perguntar: ‘Mas não vai alisar esse cabelo?’ ou então ‘Você tem
os traços finos por isso é um negro(a) bonito(a)’.
Por Joice Berth, do Imprensa Feminina
Por
essas e outras sempre tratei a questão como foco de valorização da
identidade afrodescendente. Mas, atualmente, quando abro um página de
rede social e leio o ataques de uma mulher negra sobre a outra,
simplesmente por essa mulher expor uma verdade discutida e confirmada
estatisticamente por pesquisas sérias de intelectuais negras e até mesmo
brancas e que é um tabu dentro dos próprios movimentos em defesa do
negro, me pergunto angustiada: O empoderamento está de fato acontecendo?
E em que sentido?
Já há muito observei meninos
negros, bonitos e altivos, ostentando camisas do Malcom X, gritando
palavras de ordem e exaltando o “100% preto” e que o discurso não
acompanhava nem de longe a prática de valorização racial. Esses meninos
continuavam excluídos nos meios sociais que frequentavam e sendo alvo de
piadas e comentários racistas, sem argumento intelectual para se
defenderem e sem força para dar as costas para os racistas que os
atacavam.
Essa realidade não mudou. Agora ela vem
se ampliando, porque os cabelos estão sendo ~aceitos~ mais o racismo
continua. Empoderar é criar ferramentas para resistência e luta por
igualdade de direitos entre as raças e os gêneros que atuam e ocupam o
cenário social. Ponto. E são várias as ações que precisam ser
viabilizadas para trazer essas ferramentas até a população negra se
empoderar. E é um caminho espinhoso, porque o racismo e machismo
internalizado das pessoas provoca reações de ira extrema! A zona de
conforto é ameaçada, fica estremecida e obriga a PENSARRRRRR. E o
PENSARRRRRR leva ao DESCONSTRUIRRRR, que leva ao RECONSTRUIRRRRR uma
nova postura muito mais lúcida e perigosa para o sistema atual. Aí
começa a verdadeira briga contra a burguesia exploradora, os privilégios
são distribuídos deixando de serem privilégios e passando a ser direito
comum.
Esse é o processo que todo militante deseja
que aconteça. Mas como? Se ninguém quer discutir verdades cavernosas
como a quebra racial gerada pela rejeição do homem negro a suas iguais e
quando alguém se propõe a isso é duramente atacado, perseguido,
humilhado com o aval da população negra masculina e feminina. Como? Se
ninguém quer levar a aceitação estética a sério e usá-la como faxina
interior que pode varrer o racismo internalizado desde o Brasil
colonial. Como diz uma intelectual negra contemporânea: ‘Se o preto
estiver morto não vai poder sentir orgulho do cabelo’.
O
empoderamento do negro começa, quando ele cria consciência da realidade
dolorosa que o cerca e passa a se auto afirmar como negro se opondo a
isso no seu próprio meio social. E o cabelo black deve ser uma
consequência disso, uma marcação de território que respalda ações
políticas em todo espaço social ocupado e não um fato solitário
esvaziado de sentido prático. Há que saber da sua história, das lutas
dos antepassados, dos problemas que enfrentamos na contemporaneidade e
passar a partir dessa reflexão repensar caminhos de atuação dentro e
fora dos movimentos negros.
Estamos diante do
genocídio escancarado da população negra, na mira de grupos de
extermínios que contam com a conivência e a falta de interesse do Estado
para promover chacinas, não ocupamos ainda os espaços acadêmicos e
profissionais de maneira proporcional, somos vítimas de abortos
clandestinos e violência obstétrica nos hospitais públicos. Mas o cabelo
está lindo né?! Com cachos soltos e volumosos. E o racismo sendo
alimentado pela nossa segregação interna, dentro da própria negritude
estamos nos censurando, passando a falsa ideia de que existe uma
‘irmandade’ usando ideias essencialistas, mas que vai ao chão cada vez
que alguém contradiz o mito da democracia racial.
E
que fique absolutamente legível que ninguém está se opondo ao orgulho
crespo ou dizendo que é isso que vai fazer o racismo crescer. O foco é,
até que ponto você está realmente de acordo com a sua manifestação
estética. Até que ponto você está pronto para o enfrentamento da sua
realidade de pessoa negra.
Poderíamos refletir com
mais seriedade essas questões, sair da caixinha, da caverna do Platão e
conhecer novas possibilidades de luta, onde a futilidade não seja
estrela da festa. O Black Power é tudo, menos questão estética, logo não
pode esconder a futilidade e a alienação de negros que reproduzem o
comportamento dos negros da casa grande, aqueles que para ganhar alguma
atenção do sinhozinho e da sinhazinha deduravam, expunham e maltratavam
seus iguais. Porque esses negros não se livraram da ira racista dos
brancos, e você irmão e irmã de cor, não vai se livrar também. Pense
nisso.