domingo, 23 de junho de 2013

AFRO N`ZINGA - salão afro de Brasília

http://www.lpp-buenosaires.net/olped/acoesafirmativas/exibir_opiniao.asp?codnoticias=22318



A Maria que dá graça e beleza à militância
7/5/2007 - Marília Matias de Oliveira - Fundação Palmares - Brasil
Brasília - Talvez as pessoas que freqüentam o salão Afro Nzinga Cabelo & Arte não imaginem como tudo começou. Não saibam que quem o começou não entendia nada sobre corte de cabelos. Essa pessoa ousada e decidida é Maria das Graças Santos. Ela não imaginava que o salão fosse fazer tanto sucesso quando entrou nessa empreitada. Militante desde o início do movimento negro na capital federal, Graça, como é conhecida e querida pelos candangos que a acolheram, soube enxergar a necessidade de valorizar a beleza e a identidade afro-brasileira.

Nascida em Floriano, Piauí, ela veio com quatro anos para Goiás. Estudou em Goiânia e fez faculdade de psicologia na Universidade de Brasília. Em 1971, quando chegou na capital do país, com apenas 18 anos, foi aprovada no concurso do Banco do Brasil e foi uma das primeiras mulheres a trabalhar na área administrativa do banco. E é nesse período, que uma amiga e colega do banco a convence a entrar na militância. "Quando eu trabalhava no Banco do Brasil em 1970 - que era a grande empresa - não havia negros, como até hoje não há. Mas a 30 e tantos anos atrás, menos ainda", observa Graça.

Maria das Graças participou da fundação da primeira entidade negra do Distrito Federal, o Centro de Estudos Afro-Brasileiros (Ceab). Depois, ingressou no Movimento Negro Unificado (MNU) em Brasília. E a militância daquela época, como conta Graça, estava na fase inicial, de reativação do movimento negro, de questionamento, de manifestações. "A gente conseguiu mesmo mudar muitas coisas nessa militância", afirma.

E tais mudanças tiveram grande importância. O fato de o racismo hoje ser crime é fruto do trabalho dos militantes da época, entre os quais, estava Maria das Graças. O MNU Nacional, em 1986, propôs e realizou a Convenção do Negro para participar da discussão da Constituinte, que resultou na Constituição Federal, em 1988. "Outro ponto importante dessa nossa proposta do encontro foi o título de propriedade aos quilombos, que entrou na Constituição como o artigo 68", conta ela.

Mesmo com todo esse histórico de militância, Graça tem uma visão muito mais ampla sobre o início do movimento negro no Brasil. "Esse início é desde que o primeiro africano colocou o pé aqui como escravizado. A gente é só uma continuação disso", afirma. E é com esse sentimento de continuidade que, hoje, mesmo sem estar vinculada a nenhuma entidade do movimento negro, ela não deixa de militar, seja por meio do salão afro, seja participando das discussões que promovem a igualdade racial.

Qual é o pente que te penteia?

Hoje, o salão Afro Nzinga e vários outros salões sabem como pentear, cortar e tratar o cabelo crespo. Mas, há pouco tempo, não existia outra opção para esse tipo de cabelo a não ser o alisamento, que é, de certa forma, uma negação da identidade negra. Observando essa realidade e buscando um meio para sustentar as ações do movimento negro, um amigo militante de Graça a convidou para inaugurar o salão Afro Nzinga.

"Quando você entrava na militância você se recusava a estar de cabelo alisado, então era o black power e tudo o mais", conta. Mas o difícil era encontrar alguém que soubesse cortar esse cabelo. "Aqui em Brasília, por exemplo, quando alguém descobria um barbeiro que soubesse cortar o cabelo, todo mundo ia nesse barbeiro", diz ela.

Graça, que era então bancária, e o seu amigo, professor, enfrentaram o desafio, mesmo sem entender nada de cabelo e nada de administração de empresa. E no Dia Mundial de Combate ao Racismo, 21 de março de 1992, o salão Afro Nzinga foi inaugurado em Brasília. Foi o primeiro salão afro da capital federal. "Pra nossa surpresa, a gente teve uma repercussão muito grande em Brasília, muito grande", conta.

Para se preparar para a grande procura que o salão já começou tendo, Graça disse que houve uma mudança na visão sobre o trabalho que estavam realizando. "A gente pensou que poderia levar também muito baseado na questão da militância. E aí a gente viu que tinha de mudar". Essa visão a fez viajar pra São Paulo, Rio, Belo Horizonte em busca de formação técnica e conhecimentos sobre o ramo.

"De repente a gente estava sempre mudando pra um espaço maior, porque aquele espaço já não comportava a quantidade", conta Graça. Hoje, o salão Afro Nzinga, localizado no Setor Comercial Sul de Brasília, mais especificamente no Conic, abrange não só o público negro, mas também o branco. "Nós temos clientes brancos, jovens, que querem um visual diferente e encontram no salão afro, desde as trancinhas, dreads, tranças coloridas, tererê", explica.

Salão também é cultura

Mas é claro que, vindo de uma militante como a Graça, o salão afro não seria apenas um salão de beleza. Por isso, no mesmo local onde os clientes cortam o cabelo, eles podem curtir um show musical, ver um ensaio fotográfico ou participar de um lançamento de livro. A idéia surgiu em 1998, ao perceber a falta de espaço em Brasília para as manifestações culturais afro-brasileiras.

"Este ano nós já fizemos dois lançamentos de livros", conta. Ela explica que o salão tem algumas propostas e também aceita propostas de fora. Não há programação fixa, mas os eventos são sempre divulgados com antecedência. No Espaço Cultural Afro Nzinga já passaram artistas como Maurício Pestana e o grupo Ilê Aiyê. "A gente faz todos os tipos de manifestações culturais, ou de artistas negros, ou quem trabalha com tema negro", diz.

Resistências e Mudanças

O ativismo de Graça ainda continua, não só no salão, mas também nos debates no Congresso Nacional. Isso porque, segundo ela, ainda há uma resistência muito grande quando se trata de promover a igualdade racial. "Ainda há muita coisa a ser feita, muita coisa a ser trabalhada", diz.

Ela afirma, por exemplo, que no caso da implantação das cotas, essa resistência se manifestou claramente. "Pessoas que sempre discutiram a questão racial, professores da USP que tem trabalho e que rejeitam isso", exemplifica.

Mas há também alguns avanços, segundo Graça, contra a discriminação racial no mercado de trabalho. "As representações conseguiram entrar agora dentro do Congresso com um grupo de trabalho, onde estão o Ministério Público, parlamentares e representantes dos bancos", conta. E a sua força de mulher, mãe e militante a impele a dizer: "Eu continuo otimista, continuo sempre ativa".
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário