quarta-feira, 29 de setembro de 2010

“Ruim” que nada, cabelo bonito é o seu

“Ruim” que nada, cabelo bonito é o seu

Jamile Chequer

Se você escuta a música “Chapinha”, do MC Franc, e fica arrepiada com o refrão: “Ih, choveu, cabelo encolheu”; melhor cantarolar a música do Max de Castro: “Muita gente implica com meu pixaim. Mas o que me implica é que o cabelo é bom. E quando isso me irrita vai ter briga sim. Porque não aceito discriminação. Alisa ele não,você é meu nêgo do cabelo bom”.

Se tudo fosse uma preferência musical, seria mais fácil, não é? Faz parte do ideal, aquelas mulheres magras e homens sarados. Isso faz com que você questione: “mas o que há de errado comigo? Não há nada de errado com você, nem com o resto da população que não consegue – e cá entre nós, nem deveria tentar – alcançar esse patamar.

A situação fica ainda mais complicada quando, além de “não se encaixar no perfil perfeito”, você ainda passa boa parte de sua vida escutando que seu cabelo não é “bom”. A cultura do tal “cabelo bom” tomou conta da sociedade de tal forma que o “ideal” no imaginário são madeixas compridas, impecavelmente lisas, que balançam ao vento. Essa visão de “beleza” tem origem no passado escravista e nas relações de dominação que se desenvolveram como conseqüência disso. “O cabelo do negro, visto como ‘ruim’, é expressão do racismo e da desigualdade racial que recai sobre esse sujeito. É expressão do conflito racial vivido por negros e brancos no Brasil”, revela Nilma Lino Gomes, coordenadora do Programa Ações Afirmativas e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

Ela explica que cabelo crespo e corpo podem ser considerados expressões e suportes simbólicos da identidade negra no Brasil.

Como um espelho da negritude

A Raça surgiu há dez anos, em 1996. A idéia era fazer um produto que fosse um espelho para a população negra, de forma que pudesse despertar sua autoestima. “Num primeiro momento, o negro brasileiro precisava desenvolver sua auto-estima, que hoje vemos como conquista e sucesso. Para despertá-la, eram necessários produtos que fizessem com que a pessoa se visse na sociedade”, lembra Fran Oliveira, editor-chefe da revista.

Fran explica que, durante muitos anos, o mercado de revistas acreditava que negro(a) na capa não vendia. “Havia essa resistência, diziam que o único negro que poderia ter apelo na capa seria o Pelé.” A revista Raça tentou quebrar esse paradigma. “O Brasil tem muito esse preconceito velado”, revela.

Para Fran, a negritude da mulher brasileira não está mais no cabelo. “Acho que o cabelo da mulher negra pode ser usado da forma como ela quiser. Hoje, é uma questão de praticidade. Aquilo que ficar bem, você usa”, conta. “Estamos fazendo uma matéria sobre usar cabelo crespo ou liso. Ambos são importantes. A questão não faz mais parte dessa discussão de embranquecimento ou de reafirmação de negritude. A questão da negritude está na consciência. E isso é muito mais importante do que bobs, escovas ou qualquer outra coisa.”
Juntos, possibilitaram a construção social, cultural, política e ideológica de uma expressão criada no seio da comunidade negra: a beleza negra. E para que se compreenda o que as pessoas negras pensam e sentem quando mudam os seus cabelos, é preciso conhecê-las e entender como se dá o processo de construção da identidade negra no Brasil. Não basta tecer juízos precipitados, afirmando que a pessoa “embranqueceu” ou “tem uma consciência política” se usa esse ou aquele tipo de penteado.

“Um dos efeitos do racismo é o ‘patrulhamento estético’ que recai sobre os negros, sobretudo as mulheres. Há uma cobrança estética muito mais dura sobre os negros quando comparamos com aquela que incide sobre pessoas de outros grupos étnico-raciais. Vale a pena questionar: Por que negros e negras não podem se expressar esteticamente livres dos olhares de julgamento da sociedade?.”

Por isso, para Nilma, que também é autora do livro Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra, mudar o cabelo pode ter vários significados: a tentativa de sair do lugar de inferioridade imposto pelo racismo ou até mesmo a introjeção deste(a); um sentimento de autonomia, expresso nas formas ousadas e criativas de usar o cabelo e a presença de uma identidade negra positiva, por exemplo.

Como espaço importante na sociedade, a escola vem a ser usualmente palco de reproduções de racismo e a referência negativa ao cabelo afro é a marca fenotípica mais explicitamente mencionada nas situações de ofensas raciais. A constatação de Ângela Maria dos Santos, professora substituta da Universidade Federal do Mato Grosso e especialista em Relações Raciais na Educação, mostra o quanto a reprodução do “cabelo ruim” pode trazer conseqüências.

Ângela fez pesquisa sobre as relações raciais entre estudantes negros(as) e não-negros(as) em duas escolas públicas no Mato Grosso. Durante cinco meses, observou o cotidiano dessas relações entre cerca de 223 alunos(as). “Incontestavelmente, existe uma forma naturalizada em que se dá o racismo na escola. A naturalização do preconceito racial alimenta relações de poder desigual entre alunos brancos e negros”, afirma.

Porém, ela observou que a cor deixou de ser, em primeiro plano, a marca perceptível da aparência física utilizada pela pessoa que discrimina. O cabelo viria como uma característica física mais funcional para se discriminar racialmente. A explicação para isso seria o fato de que, no imaginário, estereotipar, fazer comentários negativos acerca do cabelo, parece não constituir uma forma aberta de racismo, diferentemente da cor da pele.

“Percebi que, muitas vezes, as ofensas raciais eram apegadas ao cabelo. Analisei da seguinte forma: quando não se refere à cor, fica-se isento de um comportamento racista. É como se as pessoas ficassem mais à vontade. E os alunos falavam abertamente sobre isso. Faz-se uma ligação muito clara do negro a coisas. Quando você faz referência do cabelo do negro à planta espinhosa, está tirando a sua feição humana. Para se ter idéia da força do racismo. Não se encontra hoje teorias coisificando os negros, mas, no entanto, no discurso, nas falas de nosso cotidiano, elas estão presentes. E isso na fala de crianças e adolescentes”, constata Ângela.

Foi por conhecer muito bem o que é ser alvo desse tipo de discriminação que a jornalista Neusa Baptista Pinto escreveu o livro Nosso cabelo crespo não é ‘”ruim”. Ela concorda com Ângela que a escola é um local onde a criança negra sofre grande carga de preconceito racial. “Os apelidos, as comparações com animais (principalmente o macaco) e as referências ao cabelo crespo, como bombril e outros nomes pejorativos, são comuns no ambiente escolar”, diz.

Em seu livro, conta a história de três meninas que, ao se depararem com o preconceito contra o cabelo crespo em sala de aula, assumem uma postura positiva em relação ao assunto e conseguem dar a volta por cima. “É uma maneira de mostrar à criança que seu cabelo é bonito, sim, e deve ser aceito como é. A pergunta que precisa ser feita é: ‘quem disse que o cabelo crespo precisa ser alisado para ser bonito?’”, questiona.

Neusa conta um pouco da sua própria história. Ela diz que só foi usar tranças rastafári em 1998. “Um antigo sonho que eu nunca tinha conseguido realizar.” Isso causou uma transformação em sua auto-imagem. “Um dia, resolvi usá-lo natural. Quem imaginaria isso poucos anos antes? Foi um momento de intenso crescimento pessoal. Então, percebi a importância do cabelo na vida das mulheres negras, como ocupa um espaço privilegiado de cuidados, preocupação, e torna-se, muitas vezes, um “problema” a ser resolvido e não compreendido em sua forma de ser. Desde então, não deixei de alisar meu cabelo quando quero, mas não tenho mais vergonha como tinha antes”, conta.

A escola têm papel fundamental nessa construção e auto-aceitação. Durante sua pesquisa, Ângela – que também é técnica da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, onde é responsável por encaminhar a formação de professores(as) com relação à abordagem da discriminação racial nas escolas – presenciou várias vezes crianças e adolescentes zombando de cabelos e outros traços de colegas. Em uma delas, a aluna alvo das “brincadeiras” teve que se trancar no banheiro. Depois foi até a coordenação reclamar. Seus(as) colegas foram chamados, assim como os(as) responsáveis, para uma conversa com a diretoria. Mas esse exemplo é menos comum do que deveria. “Em geral”, diz Ângela, “ou as escolas não sabem abordar essas questões ou, por não acharem que é uma questão tão importante, silenciam, e essa é uma forma de autorizar a discriminação”, aponta.

Ela afirma que parte da solução está na disposição do(a) professor(a) em fazer discussões sobre essas questões. “Não costumamos discutir. Ao não discutir, temos a tendência de não perceber, e não perceber é o caminho para negar”, indica Ângela.

Neusa conta que percebe, ao conversar com professores(as), que esse é um assunto que preferem evitar. Alguns(as) até encaram as manifestações racistas dos(as) estudantes como brincadeiras inocentes. “Creio que, no fundo, muitos sabem que não é bem assim. O racismo está presente nas falas das crianças e precisa ser desmascarado. Reunida com professores, narraram dezenas de histórias de racismo, tanto referentes às suas próprias vidas como as presenciadas em sala de aula. Então, dá para identificar o racismo, sim. Só falta saber como abordá-lo”, explica.

Para Ângela, é preciso investir em capacitação de professores(as) de forma que possam intervir pedagogicamente. “Algumas intervenções acontecem. Normalmente dizem: “Não faça isso”, e acabou. È uma intervenção de censura e de forma pontual. Não aproveita a situação para fazer uma discussão de conteúdo pedagógico”, lamenta.

Um ganho para tratar o assunto é a lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira nos currículos das escolas públicas e privadas da educação básica. E há várias escolas que fazem trabalhos e projetos importantes. “Estão sendo feitas capacitações por setores progressistas do Ministério da Educação e Cultura; por várias administrações estaduais e municipais; pelos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros existentes; no Brasil e pelo movimento negro. É um processo longo e, muitas vezes, demorado. Mas não há como negar que estamos avançando”, ressalta Nilma.

Além da escola, um espaço de valorização importante é a família. Nilma explica que muitas famílias negras educam as crianças desde cedo a gostarem de si mesmas e da sua estética. Poucas são as que não agem dessa forma. Ela diz que é preciso superar a imagem estereotipada da família como o principal lugar onde o(a) negro(a) aprende a rejeitar o seu corpo e a sua raça. “É certo que as famílias negras vivem o conflito rejeição/aceitação do ser negro e transmitem isso para as novas gerações. Mas para compreender a profundidade dessa questão, temos que ponderar que não acontece por um motivo pessoal, mas por repercussão do racismo na esfera privada. E que tal comportamento não é geral. Se assim o fosse, não teríamos a identidade negra agindo de forma tão dinâmica e se reinventando na sociedade brasileira”, diz.

Para além da escola, Nilma aponta espaços, como o movimento negro e os aprendizados da militância política, os movimentos culturais e o universo da cultura negra juvenil, como o movimento hip hop e o reggae. Também destaca as trançadeiras em domicílio e os salões étnicos. “Os salões étnicos são mais do que espaços comerciais. São, também, espaços políticos e educativos que investem em uma valorização estética, identitária e política do povo negro no Brasil”, revela.

Neusa acredita ser necessário o processo de auto-aceitação. Mas espera que não demore anos, como aconteceu com ela. “Deve ocorrer principalmente na infância. Aceitar a si mesmo e suas características físicas é um caminho para a autovalorização, que abre espaço para que a criança, o jovem possam se sentir mais seguros para enfrentar o racismo no dia-a-dia”, diz.

Para Neusa, o importante não é o que se faz com o cabelo, mas por que se faz. Rastafári, natural, chapinha ou bobs, não importa. Desde que seja uma postura de quem está decidindo sobre si mesmo(a) e não de quem está agindo por vergonha do que é. “Experimentem novos penteados. Há salões especializados em diversos tipos de tranças, dread locks, black power, ousem. Experimentem usar seu cabelo natural. Não garanto nada, mas, talvez, descubram um novo estilo de se pentear, de se mostrar. E talvez gostem disso. Leiam, informem-se, conversem sobre o assunto, reúnam-se e se dêem força. E, principalmente, não fiquem calados diante do racismo.” Está aí a dica para os(as) jovens. É por experiência própria.

Consultoria: Athayde Motta, Cristina Lopes e Fernanda Felisberto.

Publicado em 28/11/2006. No site do www.ibase.org.br

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza étnicos

Estudos Afro-Asiáticos

Print version ISSN 0101-546X

Estud. afro-asiát. no.38 Rio de Janeiro Dec. 2000

doi: 10.1590/S0101-546X2000000200003

O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza étnicos

Jocélio Teles dos Santos


Recebido para publicação em maio de 1999
Departamento de Antropologia – Universidade Federal da Bahia

O objetivo do artigo é analisar de que forma está sendo elaborada a construção de uma imagem negra que se contrapõe à representação dominante nas sociedades ocidentais. Dessa forma, examina o surgimento dos salões de beleza étnicos e o seu crescimento, tomando-o como locus privilegiado para a compreensão de discursos sobre diversos aspectos relacionados à ética e a beleza. Através de matérias de jornais, rocura perceber o discurso dos sujeitos presente na publicização dessas imagens, e realiza uma pequena incursão etnográfica em dois salões de beleza paulistanos.

Palavras-chave: padrão de beleza, identidade negra, consumo, salão de beleza, estética.

La beauté est atroce parce qu’elle n’est pas qu’une fantôme.

Eugène Ionesco (present, passé-passé, present)

Têm havido nas últimas décadas uma grande preocupação por parte dos estudiosos em demonstrar de que modo o negro é representado no imaginário ocidental. Tanto nos trabalhos que se debruçam sobre as imagens produzidas no passado de colonização do continente africano quanto naqueles que situam seu interesse em um período mais recente, procura-se mostrar a construção desse imaginário, desenvolvido nas sociedades européias ou na norte-americana através de imagens e discursos estereotipados e eivados de maior ou menor grau de exotismo e/ou racismo. Essas reflexões são importantes para entendermos o processo que levou à criação das ideologias que priorizam imagens hierarquizadas de culturas diferenciadas2 e compreender de que modo os negros constroem ou reelaboram imagens de si, contrapostas às da representação dominante nas sociedades ocidentais.

Essas imagens podem ser cruzadas e compreendidas através da análise do discurso de uma iconografia negra, produzida nos salões de beleza étnicos3, espaços que podem ao mesmo tempo ser considerados públicos, uma vez que são um empreendimento mercantil, constituem uma empresa e praticam algum tipo de publicidade, e locais alternativos para a construção de um outro padrão de beleza, já que os discursos e imagens ali contidos são reproduzidos na direção de uma reafirmação substancialmente étnica. Os salões de beleza, portanto, permitem a produção de imagens adscritícias, por produzirem signos voltados à criação de uma estética "alternativa" e por expressarem intertextualidade em relação às imagens dominantes na estética ocidental.

As imagens de uma beleza negra produzidas nos salões se inscrevem em um caleidoscópio no qual se articulam elementos diversos. Aparentam ser homogêneas, visto que são reproduções de um ideal de beleza que se contrapõe ao ocidental, mas, observadas em detalhes, tornam-se fragmentos da política, da estética, da moda e do mercado.4 Por essa razão, examino o surgimento dos salões de beleza étnicos e seu crescimento5 no âmbito de um sistema de representação de espelhos fragmentados em que as imagens refletidas englobam discursos sobre cabelo, cosméticos, maquiagem, roupas e até bonecas. Inicialmente, utilizo matérias de jornal, com o intuito de perceber o discurso dos sujeitos presente na publicização dessas imagens, visto que a imprensa é um termômetro significativo da expansão do fenômeno; posteriormente, realizo uma pequena incursão etnográfica em dois salões de beleza paulistanos.6

Das bonecas, das modelos e da maquiagem: a naturalidade em questão

Se os anos 1970 apontavam para o surgimento de movimentos políticos e culturais que proporcionaram o reconhecimento positivo de ser negro, com ênfase na existência do conceito de negritude7, os anos 1980 representaram a solidificação de uma auto-estima associada ao discurso de uma beleza negra específica. Nesse contexto de reafirmação da existência do belo inerente à qualquer raça, as bonecas africanas, denominadas Abayomis, servem de parâmetro educativo e modelo referencial para as crianças negras, sendo, portanto, o contraponto àquelas feitas à imagem e semelhança das Barbies: "Precisamos dispor de bonecas negras para que nossos filhos e netos não se espelhem unicamente nas bonecas industriais, que copiam os padrões anglo-saxônicos. [...] Em uma boneca a criança estuda sua origem racial, brinca de mãe e filha, se reconhece" (Lydia Garcia, proprietária do bazar BazzAfro, em Brasília).8

A produção de bonecas negras é pensada como uma necessidade de investimento industrial e mercadológico para vencer a resistência às bonecas feitas de pano, vistas como um "brinquedo pobre" e associadas à espiga de milho de Emília, personagem do escritor Monteiro Lobato, ou mesmo como objetos de rituais afro-brasileiros: "Minhas filhas não gostavam de bonecas de pano, pois havia contra elas um grande preconceito. Eram tidas como peças de rituais umbandistas. Além do mais, havia a limitação financeira para comprar bonecas industrializadas, sempre muito caras. Minhas filhas não tiveram coleções de bonecas (Benedita da Silva, ex-senadora e vice-governadora do Rio de Janeiro).9

O depoimento de Benedita da Silva é esclarecedor, pois informa sobre a AfroDay, sua pequena empresa voltada para a produção de bonecas: "A AfroDay já confecciona belas bonecas para crianças. Nelas, valoriza as formas negras, de um jeito que a criança possa se reconhecer no brinquedo, se identificar sem rejeitar seus traços e características".10

Outra observação que merece atenção é o fato de que as bonecas de pano não são práticas para o lazer das crianças, sendo difíceis de manusear, apertar, abraçar e até lavar. Daí a necessidade de produção mercadológica de bonecas negras: "Bonecas produzidas em louça e plástico, representando as diversas etnias, em especial a afro-brasileiras, contribuirão – e muito – para desenvolver na criança negra sua auto-estima".11

Produzir bonecas representando os afro-brasileiros revela, além do aspecto positivo de ser negro, um conceito que perpassa tudo que seja relacionado à beleza negra: o da naturalidade. Explicitamente, diz-se que as bonecas devem ser "naturais", e não produzidas à imagem e semelhança das arianas Xuxa e Angélica. A naturalidade buscada nas bonecas negras, que não sei por que não foram classificadas pela mídia como "étnicas", pode ser deslocada para as percepções e diferenciações da imagem da modelo negra.

O discurso da naturalidade deve ser visto tanto pelas modelos negras quanto pelos fotógrafos e donos de agências de moda. A distinção entre os dois discursos é a compreensão de que o natural, para as modelos, implica em dizer não ao exótico em que elas são enquadradas. Nesse sentido, as modelos afirmam almejar a naturalidade e a espontaneidade: "É preciso que a presença do modelo negro seja natural como a de qualquer outro profissional" (Terezinha Malaquias, modelo e manequim).12

A imagética de uma beleza negra natural por parte das modelos, além de refletir um aspecto muito mais atávico – o negro já nasce lindo, sua beleza natural vem do berço –, revela a busca de um espaço a ser conquistado em condições desiguais às das modelos brancas, e uma aparente rejeição ao puramente exótico, sensual e voluptuoso – e, por que não dizer, "selvagem" –, criado em nosso imaginário, assim como uma reapropriação desses estereótipos criados nas sociedades ocidentais.

Na ótica dos fotógrafos e donos de agências de moda, a naturalidade retoma o padrão do exotismo. Reconhecendo a existência de preconceitos por parte dos clientes, que na hora de escolher as modelos preferem as loiras e as morenas, o diretor de fotografia da Editora Abril Pedro Martinelli afirma que as negras são mais exóticas e que, dependendo do trabalho, "não cabe outro tipo de pessoa".13 A especificidade do trabalho referida é o que enaltece formas físicas mais marcantes e passíveis de serem qualificadas como exóticas, principalmente aquelas voltadas para fora do país. Não é à toa que os proprietários da agência de moda paulista Jet Set afirmavam encaminhar para o mercado internacional todas as suas modelos negras. Justificando a existência de uma discriminação no mercado brasileiro "se o produtor pede vinte manequins, geralmente só colocam uma negra" – umas das sócias afirma: "na Europa fazem questão de presença delas, porque conseguem apreciar o charme e a ginga especial que elas têm".14 O charme e a ginga, signos típicos da construção do exótico nacional, podem ser percebidos na produção fotográfica das modelos. Elas têm de ser fotografadas da forma "o mais natural possível", como observa o fotógrafo da agência de modelos Elite Carlos Bessa: "não fica bem colocar muito corretivo ou um batom que deixe a boca branca".15

Imagens da naturalidade negra implicam a percepção de que o ambiente no qual estarão sendo produzidas deve ser condizente com uma idealização da espontaneidade: "O ideal, no que se refere à presença de um modelo nego num comercial, é a espontaneidade. Não do ator, mas do comercial em si" (Ana C. Longobardi, vice-presidente de criação do grupo Talant – agências Talent e Detroit).16

O protótipo desse tipo de comercial é o da C&A, criado por sua house-agency, em que vários homens e mulheres brancos e negros aparecem em cenas rápidas, tendo um rap como fundo musical. Esse comercial revela o ideal de sua concepção: visto como moderno, ele mostraria a igualdade entre modelos brancos e negros: "Trata-se de um filme muito bom e moderno, no qual a presença de negros tem tanta importância quanto a dos brancos, isto é, sem papéis secundários e sem paternalismo" (idem).

A imagem de naturalidade que marca as modelos negras quando fotografadas pode ser observada no uso e na qualidade da cosmética que toda mulher negra deve usar. Uma matéria publicada no Jornal de Brasília em 13 de maio de 1989 revela as relações simbólicas que marcam a idéia e a criação de uma estética negra. Apesar de implícito, o tema recorrente é o da diferenciação da tez branca e negra amparada no aspecto simbólico da naturalidade. O próprio título – Negra, naturalmente! – evoca essa diferenciação. Além da preocupação com o aspecto natural – "a pele negra deve parecer o mais natural possível depois de maquiada e conservar toda a beleza que lhe caracteriza" –, transparece o fato de que as singularidades da beleza negra estariam circunscritas a um estilo afro "autêntico" e estilizado com o objetivo de valorizar o "tipo físico".

Sendo um texto voltado para a beleza e a maquiagem negras, o que está subjacente nele é uma caracterização das diferenças entre os traços físicos de mulheres brancas e negras, e é justamente por isso que a matéria se torna extremamente interessante. A tez branca é o sujeito que se revela pelo modo como se definem as características daquela que se lhe opõe – a tez negra: "Os traços pouco finos ou delicados [da pele negra] podem ser suavizados, mas nunca mudados, pois isso poderia provocar uma desfiguração grosseira. [...] Nariz largo e lábios proeminentes não requerem maiores disfarces, mas apenas uma base apropriada que possa corrigir alguma irregularidade, como olheiras, rugas de expressão, mancha ou cicatriz".

As sutilezas que definem os traços físicos do branco e do negro e a utilização da maquiagem apropriada são melhor compreendidas se observamos a forma como o matiz das cores é realçado em relação à pele negra. São as cores fortes que estão carregadas de um valor diferenciada da cútis e que fornecem o tom ao discurso da "naturalidade", tornando-o mais eficaz no sentido de ser o elo principal da rede de significados que define a "beleza negra".

Justificando a ausência no Brasil de uma linha de produtos exclusiva para negros, como as que há nos Estados Unidos, a matéria ressalta que o

ideal é adequar as cores de moda em combinações bonitas e harmoniosas sem comprometer o aspecto natural da pele. A base escura é complementada pelo pó no mesmo tom, dando um toque iluminado ao rosto. O dourado e o bege são duas tendências fortes do outono. Lilás, uva e vinho são nuanças que compõem um trio mais-que-perfeito para a maquiagem suave do dia. À noite, ousar é permitido e as cores fortes realçam a pele escura. Depois da base e do pó, os mesmos usados durante o dia, o blush coral faz o jogo com o batom vermelho, com pinceladas cintilantes. Os olhos delineados com lápis preto se destacam com a sombra rosa-coral, e ainda com cores contrastantes, que puxam para o azul-marinho e azul royal. Outros matizes podem ser explorados, como o rosa porcelana, dourado e laranja.

Observe-se que a caracterização da cor da pele oscila entre a pele negra e uma escura. As relações entre a maquiagem e suas combinações "bonitas e harmoniosas" demonstram contrastes de categorias sociais que estão em jogo. O belo na maquiagem para a pele negra passaria necessariamente pelo realce da suposta naturalidade: "os olhos e a boca devem ficar em evidência, como mandam as novas tendências da estação. É essencial que a maquiagem não fuja do tom da pele negra, parecendo mais clara no rosto que no pescoço e colo. As cores são um aliado importante para a composição da beleza estética e da arte de maquiar".17

As cores realçadas adquirem uma dimensão de "relações perceptivas" (Sahlins 1976) e envolvem uma tonalidade específica ou uma estrutura de um dado tipo. Observar os discursos das cores na maquiagem é notar os contrastes, complementariedades e a compatibilidade subjacente no contexto das relações raciais no Brasil. Reafirmar uma ordem natural a ser realçada na beleza negra significa dizer que uma ordem conceitual das cores traz percepções e sensações restritas às relações culturais entre indivíduos de diferentes "cores". As concepções sobre a cor escura da pele e as especificidades da sua maquiagem, portanto, associam-se a uma classificação que remete o negro a ser um exemplo das cores "quentes" e "selvagens", em sua intensidade e "naturalidade".

As diferenças estéticas de tonalidades apropriadas às especificidades étno-raciais em nossa sociedade são verificadas pelas representações que delas fazem tanto os que maquiam quanto os que são maquiados. Em uma matéria publicada no jornal baiano A Tarde em 03 de janeiro de 1988 e intitulada "Reflexo da consciência", o maquiador Cari reafirma que é mero engano [de quem não se sabe] pensar que a negra não deveria usar tons fortes na pele, e que "a diferença básica na maquiagem negra está na cor da base a ser usada, devendo ser exatamente da cor da pele". E acrescenta: "sombras, batons e rímel devem ter cores fortes e alegres e o contraste torna-se sempre necessário". Mas quais são as cores fortes presentes na cosmética negra? Sulferino, ciclâmen (uva), bordeaux (vinho), roxo, rosa choque, azul e verde oliva em tons degradée que, no uso do rímel ou na pintura das sobrancelhas, obedeceriam às seguintes recomendações: "o rímel pode ser preto, azul-marinho ou violeta, e para as sobrancelhas [...] os tons cinza, marrons escuros e raramente o preto".

Pode-se observar uma estreita relação entre a auto-estima e a suposta cosmética própria para negros nas opiniões das modelos, dos artistas ou mesmo dos microempresários negros que investem nessa área específica do mercado. O argumento é que os produtos de beleza industrializados são criados para a cútis branca: "Nós, de cútis negra, não podemos usar um pó (de arroz ou compacto) de cor rosa clarinho. Em contraste com a cor da nossa pele, formar-se-á uma combinação estranha [...]. Muitos produtos da indústria tradicional são nocivos à nossa pele, que é oleosa. Alguns chegam a queimar" (Ialê Garcia B. de Mello, modelo).

"No Brasil não se tem bons produtos para brancos, quanto mais para negros. O Guilherme Pereira e o Erik, maquiadores da TV Globo, criaram alguns produtos, mas eles não satisfazem inteiramente as necessidades porque a linha não tem variedade em comparação com a que existe nos mercados americano e europeu" (Glória Maria, repórter e apresentadora da TV Globo).

O investimento em empresas voltadas aparentemente para o público negro é algo recente na história no país, e são interessantes os argumentos técnicos utilizados para a produção de linhas específicas desses produtos: "a maquiagem para a pela negra é diferente da fórmula para a pele branca, vermelha ou amarela; a pele negra tem segmentos subcutâneos que dificultam a definição de produto" (Maria do Carmo Nicolau, proprietária do Espaço Cor da Pele Ltda.).18

Isso nos permite verificar um valor empresarial, uma preocupação em definir uma fatia do mercado, questionando a idéia de que as mulheres negras não têm poder aquisitivo suficiente para consumir cosméticos. Tomando como parâmetro os Estados Unidos, onde o mercado de cosméticos surgiu por volta dos anos 1970, a diretora-executiva da Espaço Cor da Pele Ltda. diz que "a mulher negra é muito vaidosa e só não consome mais cosméticos porque os produtos existentes no mercado nacional não lhe são apropriados". E conclui, "nos Estados Unidos, as mulheres negras, embora com menor poder aquisitivo, compram, por exemplo, de três a cinco vezes mais cosméticos para os cabelos que as brancas". Por isso, "não podemos ficar de fora".19

No Brasil, a existência de um empreendimento econômico com forte caracterização étnico-racial está associada à construção de uma identidade étnica, o que pode ser visto implicitamente na declaração de Benedita da Silva, então deputada federal pelo Rio de Janeiro, ao se associar a uma empresa paulista fabricante de cosméticos exclusivos para a pele negra: "esse trabalho tem uma carga cultural muito grande e exige uma nova concepção econômica. É preciso entender por que, para quem e qual a importância do que fazemos"20, ou mesmo no depoimento de Januário Garcia, fotógrafo e presidente do Instituto de Pesquisas Culturais Negras (IPCN):

A iniciativa da Bené [Benedita da Silva] atende à modernidade da nossa luta contra o racismo. Eu, como fotógrafo, sempre tive dificuldade de fotografar modelos negros porque não temos uma maquiagem compatível com a textura e o tom da pele. Isso é uma abertura para o aprimoramento do trabalho dos profissionais de comunicação visual. Tenho absoluta certeza de que existe mercado não só para cosméticos mas também para comidas, roupas etc. Nós, como afro-brasileiros, estamos aos poucos quebrando uma dominação histórica, buscando a nossa auto-estima e a reconstrução com dignidade da nossa cidadania. Vale constatar que 80% de nosso povo é mestiço e não tem produtos que correspondam à sua identidade étnica. O modelo da nossa sociedade é branco, anglo-saxônico.21

A criação de uma linha de cosméticos com o objetivo de enaltecer a auto-estima e como projeto de reafirmação da identidade étnica por parte de segmentos negros e mestiços é uma reação ao que aconteceu no mundo da moda dos anos 1980: a apropriação de uma simbologia calcada em uma certa idéia de etnicidade e direcionada para o consumo. O discurso de uma beleza negra demonstrado pela cosmética implica dizer que foi criado um pólo irradiador de novas "habilidades culturais" (Sansone 1991: 131) em que a tonalidade, cor e diferenças de pele problematizam, mesmo que implicitamente, o lugar do negro na sociedade brasileira. Essas "habilidades culturais" são observadas através da sintonia com o que acontece na moda ou no noticiário da mídia nacional e internacional.

Um exemplo é a declaração do cabeleireiro e maquiador Marcelo Beauty, não-negro, que no fim dos anos 1980 afirmava haver uma tendência mundial de valorização da beleza negra, e que por essa razão lançou uma linha de produtos específicos destinado às mulheres negras – uma base, pó facial, pó compacto e batons com cores mais fortes. O uso dos produtos indicava um cuidado para que não parecessem artificiais: "a base pode parecer um pouco clara, mas somente para dar suavidade. O pó facial dá a correção".22 Nesse mesmo período, o Studio Afonjá, localizado no Rio de Janeiro, lançou uma linha de cosméticos com cremes e xampus para uso interno e o Espaço Cor da Pele Ltda., em São Paulo, colocou no mercado a linha de produtos Muene (traduzido como "meu Senhor / minha senhora em dialeto angolano"), que incluía batons, bases, pós compactos, xampus, creme de pepino e um creme à base de argila.23

Dos cabelos e dos salões: o fazer a cabeça

A maquiagem negra circunscrita à reprodução de um estilo afro "autêntico ou estilizado" remete para a importância do rosto na valorização de traços e do tipo físico, tornando o cabelo um elemento fundamental na constituição do que seja a beleza negra. Afinal, como afirmava o Jornal de Brasília, "os cabelos emolduram o rosto".24

Os discursos sobre a importância do cabelo na composição da estética negra são tema de imagens aproximativas, contrastivas e de conteúdo político. A aproximação é a suposta harmonia estética do rosto das sociedades ocidentais, em que os cabelos considerados bonitos são lisos e compridos. Em razão dessa colonização cultural, os negros usavam ferro quente (que os baianos apropriadamente denominam cabelo frito), pastas, alisantes e outras alquimias, construindo-se um ideal negro associado ao uso desse instrumental. Uma imagem de contraste revela um discurso político, a partir dos anos 1970, relacionado aos reflexos do "black is beautiful", movimento cultural e comportamental norte-americano dos anos 1960. Foi nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois centros irradiadores da influência norte-americana, que apareceu o corte black-power – cabelo redondo e cheio, in natura. Por conseguinte, com a crescente valorização da busca da "consciência racial", procurou-se uma "naturalização" dos cortes, trançados e penteados afro, com repúdio do alisamento – "além de decadente [o alisamento], é prejudicial porque impede o crescimento do cabelo" (Orilê, cabeleireira paulista).25

A imagem do cabelo natural passou a ser reverenciada como aquela que se contrapõe ao cabelo liso e que estaria em consonância com uma nova mentalidade do "ser negro". Como observa Cunha (1991: 146), "a naturalidade, por sua vez, não significa a ausência total de interferência. Mas ela é de outra natureza. Nela, a produção estética visa auxiliar e fortalecer os cabelos; o sentido é anterior à naturalidade, pois não vem como interferência externa, ao contrário, a precede". Angela Figueiredo (1994: 36-ss), em um trabalho de pesquisa com negros soteropolitanos, mostra que o discurso da naturalidade do cabelo está associado ao da aparência. Entretanto, argumenta que a "naturalidade" dos cabelos está vinculada ao "uso de interferências externas", como por exemplo nos dread locks (cabelo berlotado ou enrolado típico dos rastafari), nos quais se usa a "baba do chuchu" ou cera de abelha, entre outros mecanismo artificiais, ou no uso do implante, dito "mais natural" que o implante com canecalom.

Em última instância, falar de uma naturalidade do cabelo significa, retomando a pertinente observação de Figueiredo (1994), remetê-la a usos em um nível mais sociológico, ou, como observa Leach (1983) ao analisar o simbolismo do cabelo, ao uso mais público, já que se trata de um meio de comunicação. Ter um cabelo mais "natural", portanto, se torna relevante na reprodução de uma linguagem simbólica de diferença em relação ao cabelo liso ocidental, assim como serve para deixá-lo em condições "iguais", se pensamos na hierarquização de cabelos "bons" ou "ruins". Creio que a questão é saber de que modo as diferenças naturais entre os tipos de cabelo e suas especificidades são utilizadas para pensar as diferenças na sociedade brasileira, mesmo quando só se fala do cabelo negro. Deixar o cabelo crescer "naturalmente" implica reconhecer a origem africana: "o cabelo africano é seco" e o conseqüente tratamento específico, que o diferencia dos demais:

lavagem duas vezes por semana com xampu à base de ervas naturais e creme rinse. Ao enxaguar, não retire todo o creme rinse, e ainda com ele na cabeça, passe um óleo (pode ser de amêndoa, côco, babosa ou nujol). Esses óleos também podem ser usados na pele. A melhor maneira para deixar os cabelos brilhantes e soltos [...] é fazer uma boa massagem com óleo de amêndoa e mel misturados, quinzenalmente" (idem).

A busca de cabelos brilhantes permite notar a busca da imagem dos cabelos ocidentais propagada pela mídia. Estamos diante da apropriação de um signo veiculado como inerente aos cabelos bem-tratados: cabelos saudáveis e bem-cuidados devem estar brilhantes. Ironicamente, a ênfase na inovação do cabelo do negro está justamente em um sentido de continuidade com essas imagens, e não na completa ausência ou rejeição delas. Estamos perante um paradoxo em que as distinções entre os cabelos "do negro e do branco", com seus discursos específicos, são no fundo ditas como uma semelhança absoluta. A ironia é que essa semelhança revela um projeto que em muito se aproxima dos movimentos políticos. Chamo a atenção para o interessante uso simbólico do cabelo realizado pelos movimentos negros com o objetivo de elevar a auto-estima e a "consciência racial". Observe-se um trecho de uma matéria publicada no Jornal de Brasília em 24 de maio de 1992:

Marli Garcia de Melo não sabe quantas vezes ouviu a expressão "negra do cabelo duro" ou "nega do cabelo ruim". Com a consciência de uma militante de movimentos negros, anuncia, convicta: "Nosso cabelo não é ruim, é diferente". Por isso, ela atende no BazzAfro os negros e as negras interessados em tratamentos capilares e cortes que valorizem essa diferença. "Nossos clientes encontram aqui" – garante – "não só uma cabeleireira, mas também uma conselheira disposta a estimular sua auto-estima". Além de trançar cabelos no melhor estilo, Marli mostra aos clientes os pentes mais adequados – os garfos e os grossos, com hastes longas e maleáveis. A matéria-prima é a ideal. No Bazz Afro, há pentes importados do Senegal e dos EUA (a pátria do black-power, que deu liberdade aos cabelos negros, livrando-os dos constrangedores alisamentos).

Um outro exemplo da imbricação entre o assumir a consciência racial e usar o cabelo naturalmente é observado em Brasília. Marilene F. Nascimento realizava um trabalho com o intuito de levar os negros a "assumirem sua estética" toda terça-feira, na sede do Movimento Negro Unificado: "Não assumi o compromisso de uma militância constante, mas deixo lá uma percentagem do meu trabalho para ajudar o movimento".26

O discurso político da naturalidade do cabelo é mais circunscrito aos movimentos negros. Há visões que não absorvem o discurso da negritude. É o que demonstra Figueiredo (1994: 40), em pesquisa realizada em Salvador. Para as não-militantes negras do bairro da Pompéia, deixar o cabelo natural implicava tanto "gosto" quanto menor custo. Um exemplo foi o de uma entrevistada que, durante a realização da pesquisa, utilizou alternadamente os diversos métodos: alisou o cabelo "a ferro", usou o cabelo trançado sem nenhum tipo de alisante e chegou a fazer um "permanente afro".

Se o cabelo é uma espécie de mediador entre uma estética afro natural e um discurso da negritude, como são percebidos e representados os salões de beleza nesse imaginário das últimas décadas? Pelos salões passam discursos múltiplos que vão da reiteração de uma "consciência racial" à criação de uma nova estética sem vinculação aparente com a definida pela militância negro-mestiça.

O uso político-estético do salão de beleza pode ser visto tanto em Brasília, como se percebe na matéria do Correio Brasiliense citada, quanto no Rio de Janeiro. Segundo a cabeleireira Day, do salão de beleza AfroDay, em Copacabana, "mais que o cabelo, nós queremos fazer a cabeça". Afirmando trabalhar desde 1982 com técnicas para pessoas negras, disse:

Nunca mais quero ouvir falar em alisar cabelos. [...] Eu comecei em 1975, na Bahia, ainda sem um local fixo de trabalho. Em 1979, abri meu primeiro salão, no qual fazia de tudo, cortava e alisava e depois, em 1982, abri o AfroDay, sentindo a necessidade de colocar nossa cultura em prática. [Segundo o periódico] [...] com muito papo e jeito, Day conseguiu convencer suas primeiras clientes a esquecer as manias de branco e deixar o cabelo crescer naturalmente. Botaram na nossa cabeça que somos feias, mas nós somos bonitas e fazemos moda".27

O salão de beleza, portanto, é como um espaço mediador na tomada de uma "consciência racial". Ele é simbolicamente um nicho irradiador da negritude fashion e tem o papel de contribuir para uma nova realidade social. Ir ao salão para fazer o cabelo significa ver aquele espaço como um espaço de socialidade e de marcação de status, e também através de uma função simbólica bastante determinada – "o fazer a cabeça". Desse modo, o salão é "construído" com sentidos aproximativos do universo propriamente político e pela estratégia do que deve ser legitimado.

Foi por essa razão que a imprensa não só noticiou o surgimento dos salões de beleza exclusivos para negros como reagiu de forma preconceituosa, como se verifica em uma matéria publicada em abril de 1989 no jornal O Popular, da cidade de Goiânia, quando da inauguração do salão paulista Colonial Black. Informando que São Paulo teria seu primeiro salão de beleza "exclusivamente destinado a negros", o articulista (Arthur Rezende) disse que: "ao longo da casa, localizada no shopping Iguatemi, haverá uma minipraça na qual irão se apresentar grupos de música, todos negros, aqueles garotos que dançam reggae nas ruas e tal. Profissionais, como manicures, cabeleireiros, maquiadores e até mesmo dois profissionais de beleza que virão dos Estados Unidos também serão de epiderme escura". É possível que os grupos de música referidos tenham sido os grupos de rap ou música hip-hop que, nos anos 1980, estavam em evidência nas grandes cidades. A classificação racial é deveras homogeneizadora, todos os negros "serão de epiderme escura", e o que sobressai na matéria é seu fim: "no mínimo vão afixar à entrada um cartaz com os seguintes dizeres: ‘Branco não entra’ (grifo do jornal). Claro?".28

O surgimento de salões de beleza afro na cidade de São Paulo não é um fenômeno que ocorreu somente a partir dos anos 1980. Como informa Rudsney Corrêa, proprietário do salão Inter Yank’s Cabeleireiros, desde os anos 1960 há salões especializados em cortes de cabelo para negros. Era a época da importância da moda black power. Mas por que a imprensa deu destaque à inauguração do Colonial Black? Penso que por duas razões. Primeiro, pela visibilidade da questão racial no país, visto que em 1988 houvera uma profusão de comemorações do centenário da abolição da escravatura.29 Segunda, e mais relevante, o fato do salão de beleza pretender um espaço nobre, o Shopping Center Iguatemi, "exatamente em frente a conhecida butique de moda da Eugênia Fleury a ao lado do McDonald’s", como afirmava um outro periódico, o Diário de Pernambuco, ao se referir ao mesmo fato.30 Aos olhos da imprensa, esse salão não se diferenciava de outros, já que "os tratamentos de beleza (cabelo, pele, maquiagem) especiais para realçar o tipo físico" são comuns a todos eles. A diferença concebida para o Colonial Black era a necessidade de sofisticação: "os negros se ressentem de um espaço nobre onde as características da raça sejam consideradas e valorizadas".31 Outra característica é que a própria maquiagem seria importada dos Estados Unidos. A base produzida no Brasil encobriria o brilho da pele negra, sendo que a base americana deixava "a pele natural" e realça "a maquiagem". A decoração do Colonial era concebida como "um tanto exótica. [...] pensamos em um ambiente no qual o estilo dos objetos usados na decoração seja o mesmo da bandeja levada pelo garçom, por exemplo. [...] nossa idéia é inovar no atendimento, já que existem bons salões de beleza para negros na cidade" (Vilma F. Santilli, sócia do Colonial Black).32

A preocupação dos sócios do Colonial Black revela estratégias de um mercado em expansão.33 Nota-se também uma apropriação da imagem do exótico e sua vinculação direta ao negro. As especificidades de um salão de beleza afro em uma região de classe média paulistana indicam uma imagem apropriada para o consumo, e são significativas para entender a estética de outros salões de beleza situados em áreas não nobres, como os da periferia ou do centro da cidade de São Paulo. Neles, a produção de uma imagem exótica não se torna aparente. Há outras singularidades. Os salões exibem, em locais bem visíveis, diplomas de cursos realizados na Dudley University, universidade norte-americana localizada na Carolina do Norte, que se tornam um capital simbólico, pois conferem ao cabeleireiro legitimação no universo dos cortes, penteados ou tratamento de cabelos afro.34

Os diplomas são vistos à entrada dos salões em uma moldura de vidro, garantindo aos clientes ou mesmo aos concorrentes uma representação legítima e inquestionável. Em alguns salões são exibidos vários diplomas, ao lado de fotos das turmas de formatura, indicando a realização de cursos em diferentes períodos na mesma universidade. A idéia é que o número de diplomas indica uma atualização das tendências da estética negra. Por conseqüência, haverá um acréscimo no capital simbólico do cabeleireiro.35 Os diplomas são uma espécie de encarnação dos laços de pertencimento a uma universidade norte-americana "da estética". Por isso, cumprem menos uma função decorativa que uma publicização de padrões estéticos fornecidos pelos cursos da Dudley’s University. Os diplomas trazem a certeza de que todo o ambiente está carregado de modernidade. Na exposição de diplomas há um certo apelo para a inserção do ambiente dos salões no que há de mais atualizado nos grandes centros dos EUA e da Europa.

A relação da modernidade encontra-se na exposição dos produtos utilizados no tratamento dos cabelos. Eles geralmente estão distribuídos no ambiente interno juntamente com fotos de modelos negros, na sua maioria norte-americanos. A disposição espacial desses "objetos icônicos" nos leva a uma cenografia: as fotos e os produtos expostos são uma espécie de suporte da imagem que ali se fabrica, a imagem do negro sofisticado, moderno, atual. Não importa que as fotos sejam de norte-americanos e não de negros brasileiros. Talvez por isso mesmo sejam representativas e adquiram importância no contexto do salão de beleza. É como se estivéssemos naquela linguagem visual, sendo persuadidos por representações de um negro que, através de um arsenal de produtos industrializados, busca uma projeção de uma outra imagem que não a "dos tempos do fundo de quintal", ou aquela restrita à "tradição como é a da Bahia", como disse dona Neuza referindo-se ao início de seu processo de trabalho no quintal da sua casa – "a juventude quer o cabelo natural, nem liso, nem crespo".

Toda a produção visual interna aos salões pode ser considerada como discursiva, pois uma mera disposição espacial de objetos "fala" sobre algo e adquire maior plasticidade quando viram verdadeiras vitrinas. Elas revelam um novo sentido, pois a intenção é uma exibição pública em direção aos clientes e transeuntes ou um "diálogo" com outros espaços, quando se tratas dos salões localizados em shopping centers ou galerias como as da Rua 24 de maio. Os salões tornam-se espaços mediadores de outros acontecimentos, como por exemplo o de um localizado na Rua 24 de maio que exibia na vitrina, além de cosméticos e fotos de modelos negros norte-americanos, um cartaz anunciando um grupo de pagode paulista.

A exposição das vitrinas pode parecer um deslocamento da estética das lojas dos shopping centers. Muito ao contrário: obedecem uma continuidade com outro salão assim como com o padrão de uma loja qualquer, ou seja, as vitrinas vêm a ser um "teatro do merchandising", como bem observa Yamaguchi (1991: 57) ao analisar as exibições em lojas ocidentais. O fascínio que ela nos provoca está justamente na capacidade de estimular nossa imaginação. O intuito é usar a vitrina como uma espécie de mostruário, em que os objetos exibidos procurem nos seduzir.

As vitrinas devem ser vistas como um espaço técnico que revela vários aspectos. Os objetos expostos acentuam aspectos da vida cotidiana: a maquiagem levemente usada, o perfeito penteado ressaltado na foto de uma modelo ou o riso "natural", sempre ressaltado na composição e na arrumação do espaço. A exposição reitera o uso cotidiano dos produtos. A exibição faz pensar que estamos diante de um contexto artístico. É sempre um ideal de beleza a ser buscado. O cenário é o de uma beleza que alcança aspectos próximos à sacralização. As imagens apresentadas e representadas possuem formas ideais de beleza que precisam ser descobertas, e principalmente, adotadas.

Os salões, portanto, são lugares de discursos múltiplos. Não é de estranhar que nos salões paulistas pesquisados se reforçe a idéia de um espaço que intermedia a circulação de sujeitos de diversas classes, algo que já havia sido observado por Cunha (1988: 4) no Rio de Janeiro: "o Studio Afonjá, situado na zona sul da cidade, atende a mulheres e homens, clientela diversificada que, na representação dos profissionais que lá trabalham, perfazem um espectro que vai desde a empregada doméstica até a atriz de televisão". Isso não quer dizer, entretanto, que os salões sejam vistos de forma homogênea. Faz-se questão de distinguir o "meu" salão dos demais. Isso é claro nas diferenças entre os salões situados em espaços de maior circulação de setores médios dos localizados no centro da cidade, precisamente os da Galeria 24 de Maio. Quando perguntado sobre as especificidades desses salões, o proprietário do Inter Yank’s Cabelereiros dizia que ali o público era mais "humilde, jovem", enquanto que a sua clientela, assim como a de outros espaços, era "mais madura".

No início deste trabalho, chamei a atenção para o fato de que as imagens no ambiente dos salões de beleza afro podem ser captadas através da visualização de um amplo caleidoscópio, ao observar nesses espaços correlações entre discursos diferenciadores e apreciativos de uma beleza "branca" padrão. Discursos que, ao reforçar a existência de uma estética negra, procuram ressaltar seu aspecto natural. É curioso como o sentido não é exclusivamente uma inversão da idéia de naturalidade atribuída aos negros, mas sim a apropriação política: a reinterpretação visando uma diferenciação de padrões estéticos.

Ao fim, lembro-me do texto autobiográfico de Malcolm X quando relata sua primeira experiência de alisar o cabelo. Ao se olhar no espelho e perceber que seu cabelo estava igual ao cabelo de um branco, a sensação foi de conforto e admiração. Tomar esse exemplo como uma poderosa introjeção da beleza branca pode parecer lugar comum, pois, como já havia concluído Baudrillard (1993: 28), "o espelho, como objeto de ordem simbólica, não-somente reflete os traços do indivíduo como acompanha em seu desenvolvimento o desenvolvimento histórico da consciência individual"; mas o fato adquire maior relevo se observarmos que a imagem refletida de Malcolm X em muito se assemelha àquelas do espelho de tinta da prosa narrativa de Jorge Luís Borges (1985: 78-ss). A princípio momentâneas ou imóveis, quando é a imagem que se deseja ver, elas se tornam complexas quando no espelho se vêem outras visões de mundo.

Notas

1. Este artigo foi elaborado a partir de um trabalho de pesquisa desenvolvido para o curso de Antropologia Visual do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da FFLCH-USP, no período de maio a julho de 1996. Agradeço a Antonio S. Guimarães, Paula C. da Silva e Cloves Oliveira por sua colaboração quando da apresentação deste trabalho no programa A cor da Bahia, e a Roberto Albergaria, pelos comentários e sugestões.

2. Sobre imagens da África e de negros na cultura ocidental em um contexto histórico desde 1780, ver Pieterse (1992); sobre os discursos sobre o negro nos espaços urbanos de Bruxelas, Vincke (1993: 89-99); sobre o negro no imaginário francês, Dewitte (s/d); sobre a construção européia da imagem do negro brasileiro nas fotografias e estampas litográficas dos viajantes oitocentistas, Kossoy & Carneiro (1994).

3. Chamo a atenção para a denominação salão de beleza "étnico", e não salão de beleza "black", pois foi essa a designação utilizada tanto pelos donos de salões na cidade de São Paulo quanto por seus clientes, com o objetivo de retirar desses espaços o caráter de exclusivamente voltados a uma clientela negra. Sua preocupação é afirmar que esses espaços se direcionam para práticas estéticas de origem afro-descendente, mas que há clientes não negros que freqüentam os salões. Parece-me que esse é um discurso com sentido mercadológico, afinal os salões se inserem em um mercado cada vez mais competitivo. Isso pode ser verificado na própria denominação de um salão localizado na Galeria São Luís, em São Paulo: "Salão Shalom, onde o cabelo não tem cor".

4. Como por exemplo o trabalho de Silva (1994) sobre a beleza negra percebida comparativamente através de um programa da TV Itapoan (Beleza black) e dos discursos do MNU e do Ilê Aiyê.

5. Segundo Rudsney Correia, proprietário do Inter Yank’s Cabeleireiros (Galeria Metrópole, São Paulo), que participou de uma pesquisa para a Dudley Products sobre o número de salões de beleza étnicos na cidade de São Paulo e em sua região metropolitana, nos anos 1970 eles não passavam de dez, enquanto que em 1996 haveria mais de quatrocentos. Rudsney Correia começou a trabalhar no primeiro salão black (assim era denominado) aos 16 anos, em 1978, e em 1985 montou seu atual salão.

6. Não utilizo como material de análise a revista Raça porque seu primeiro número é de setembro de 1996.

7. Para a historização e o significado do surgimento desses movimentos, ver Risério (1981); Bernd (1988); Munanga (1988); Silva (1988); Bacelar (1989: 88-98); Morales (1991) e Godi (1991).

8. Entrevista concedida ao Jornal de Brasília de 24 de maio de 1992, citada por Vieira (1989).

9. "O estilo afro-vaidoso de Bené", entrevista concedida ao Jornal de Brasília em 24 de maio de 1992.

10. Idem.

11. Ibid.

12. "A hora e a vez dos negros", Jornal da Tarde, 26 de outubro de 1989.

13. "Preconceito racial desfila no mundo da moda", Folha da Tarde, 01 de novembro de 1990 .

14. Idem.

15. Ibid.

16. "A hora e a vez dos negros", Jornal da Tarde, 26 de outubro de 1989.

17. "Negra, naturalmente!", Jornal do Brasil, 13 de maio de 1989.

18. Jornal de Brasília, 24 de maio de 1992.

19. "Empresa lança cosméticos para as peles negras", Folha de São Paulo, 07 de maio de 1991.

20. "Deputada investe em cosméticos para pele negra", Jornal do Brasil, 23 de junho de 1991.

21. Idem.

22. "A hora e a vez dos negros", Jornal da Tarde, 26 de outubro de 1989.

23. "Empresa lança cosméticos para as peles negras", Folha de São Paulo, 07 de maio de 1991. Sobre o Studio Afonjá, ver Cunha (1988).

24. "Negra, naturalmente", Jornal de Brasília, 13 de maio de 1989.

25. "Na cabeça, a força negra", Folha de São Paulo, 30 de setembro de 1984.

26. "O penteado para quem assume a cor da raça", Correio Brasiliense, 16 de novembro de 1991.

27. "Deputada investe em cosméticos para pele negra", Jornal do Brasil, 23 de junho de 1991.

28. "Só para negros", O Popular, 23 de abril de 1989.

29. Sobre as comemorações, ver Schwarcz (1990).

30. "Negros", Diário de Pernambuco, 04 de maio de 1989.

31. "Black" (nota de Amaury Júnior), Diário Popular, 07 de maio de 1989.

32. "Colonial Black, para fazer a cabeça dos negros", Folha da Tarde, 20 de abril de 1989 .

33. Esse fato pode compreendido em minha própria incursão etnográfica, quando me foi solicitada, por um dos sócios dos salões pesquisados, uma identificação da FFLCH-USP para a realização de entrevistas. Foi argumentado que a identificação seria necessária porque eles trabalhavam com produtos internacionais e, devido à concorrência, não poderiam dizer qualquer coisa na entrevista. Minha explicação de que se tratava de um trabalho sobre o crescimento dos salões de beleza afro, as diferenças entre eles e as imagens negras nesses salões de nada adiantou. Um rapaz, bem mais simpático que o sócio, disse-me que poderia me mostrar algumas fitas de um desfile dos salões realizado pelo SENAC e que haviam sido gravadas por emissoras de televisão, assim como me indicar outros salões para serem entrevistados, desde que eu trouxesse uma identificação da USP.

34. Segundo dona Neuza, uma das cabeleireiras afro mais antigas da cidade de São Paulo e que hoje possui um salão na Vila Nagib (o Neuza Cabeleireiros), o curso é de curta duração e gira em torno de US$ 3.000, incluindo as passagens aéreas.

35. Em relação as tendências nos salões por mim investigados (Inter Yank’s e o Neuza Cabelelireiro), fez-se questão de demonstrar as diferentes tendências das últimas décadas – do black power, passando pela "moda do cabelo enrolado" a la Michael Jackson, à moda dos anos 1990, que foi o permanente afro.

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SUMMARY

Images and discourse in ethnic beauty parlors

The object of this article is to analyze the process whereby new images of Blacks are being built in contradistinction to the representation prevailing in Western societies. It therefore examines the appearance and increasing diffusion of ethnic beauty parlors as a privileged locus for understanding the discourse about several developments pertaining to aesthetics and beauty. Drawing upon newspaper articles, the author tries to make out the subjects’ discourse as involved in publicizing those images and makes a brief ethnographical survey of two beauty parlors in the city of São Paulo.

RÉSUMÉ

Le noir dans le miroir – Images et discours dans les salons de beauté ethnique

Le but de cet article est d’analyser la façon dont s’élabore graduellement une image du noir en contrepoint de la représentation dominante chez les sociétés occidentales. Il examine ainsi l’apparition des salons de beauté ethnique et leur essor, en les prenant comme locus privilégié pour la compréhension de discours concernant divers aspects liés à l’esthétique et à la beauté. À l’aide d’articles de journaux, il essaie de saisir le discours des sujets présent dans ces images rendues publiques et réalise une petite incursion éthnographique dans de salons de beauté de São Paulo.

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A Moderna Alquimia dos Cabelos

MATÉRIA DE CAPA » A ciência a favor do cabelo De olho em consumidoras cada vez mais ávidas por novidades, a indústria cosmética investe pesado em pesquisas para amenizar o excesso de química e, ao mesmo tempo, deixar os fios belos e sedosos

Publicação: 23/09/2010 19:17 Atualização: 24/09/2010 20:31

Pílulas que prometem, em pouco tempo, fios mais saudáveis; tintura sem amônia; escovas progressivas que usam proteínas, aminoácidos, queratina, polímeros e tantos outros componentes difíceis de pronunciar… Há muito, a dupla xampu e condicionador deixou de ser o único item de primeira necessidade nas madeixas da mulher moderna. Diante do bombardeio de tanta química nos fios, a indústria cosmética tem se debruçado cada vez mais em pesquisas para criar produtos que, ao mesmo tempo que amenizem os efeitos colaterais de tantos elementos artificiais, deixem os fios sedosos e brilhantes. Um desafio que resulta em investimentos bilionários e na descoberta de tecnologias inovadoras, impossíveis de se conceber em um tempo nem tão remoto assim. Afinal, quem poderia imaginar que a amônia seria abolida da coloração ou que fios naturalmente ondulados permaneceriam lisos durante meses sem o obrigatório uso de amônia? A Revista ouviu cabeleireiros, tricologistas, dermatologistas e empresas do ramo para descobrir o que há de mais novo no mercado quando o assunto é cabelo — e, de preferência, lindo e saudável.

Tintura sem amônia

Neulza experimentou a tintura sem amônia e aprovou: sem queimação e com maior durabilidade - (Valério Ayres/Esp. CB/D.A.Press)
Neulza experimentou a tintura sem amônia e aprovou: sem queimação e com maior durabilidade

A partir do próximo mês, chega aos principais salões de beleza do Brasil um produto que tem feito sucesso na Europa e nos Estados Unidos e promete revolucionar a indústria cosmética local: a tintura sem amônia. A novidade surge quase um século depois da criação da primeira coloração capilar permanente e, para muitos cabeleireiros, representa uma grande mudança na coloração capilar. “Quando o tonalizante, que também não tem amônia em sua composição, foi lançado, já achei uma revolução, apesar de ele não cobrir os fios brancos por completo e sair rapidamente com as lavagens. Mas a tintura sem amônia é, simplesmente, espetacular”, derrete-se o colorista brasiliense Hugo Nakanishi.
Entre as principais vantagens do Inoa, como a L’Oréal batizou o novo produto, está o fato de ela não ter o cheiro forte das tinturas convencionais, de não provocar irritações no couro cabeludo e, principalmente, de agredir muito menos os fios. Na coloração comum, a amônia tem a função de quebrar a cutícula do cabelo para que a coloração penetre no córtex capilar e ali permaneça por um determinado período de tempo. No novo produto, um sistema único, rico em óleo — o Oil Delivery System (ODS) —, empurra o pigmento para dentro do fio sem causar essa ruptura da cutícula. “É uma tintura bem menos agressiva. Na verdade, ela até ajuda a tratar o cabelo, pois, por ser um agente oleoso, protege o fio”, garante Hugo, um dos primeiros coloristas do Brasil a ser treinado com o Inoa e que já começou a experimentá-lo nas clientes que têm maior sensibilidade às tintas.
É o caso de Neulza Romero Lima, 72 anos. Adepta aos fios coloridos há mais de 40 anos, nos últimos meses, a artista plástica vinha apresentando rejeição à tintura. “A cabeça esquentava. O meu dermatologista falou que o couro cabeludo ficou saturado.” Ao experimentar o novo produto, disse não ter sentido qualquer ardor ou incômodo. Neulza conta que há alguns anos usou, em Paris, uma tintura sem amônia, mas nunca tinha encontrado nada similar no Brasil. Outra vantagem apontada por Neulza foi a durabilidade da coloração. Segundo ela, os fios estavam demorando mais a embranquecer.
De acordo com o fabricante, a Inoa clareia os cabelos em até três tons e garante 100% da cobertura dos fios brancos. O tempo de aplicação é o mesmo da tintura convencional — 35 minutos. O produto é para uso exclusivamente profissional e os coloristas precisam passar por um treinamento antes de começar a usá-lo nas clientes. Isso porque a aplicação é muito precisa. Diferentemente da tintura comum, em que são misturados dois componentes — a pigmentação misturada à amônia e o oxidante —, no Inoa são três elementos: o óleo gel (ODS), a pigmentação concentrada e o oxidante. Por isso, em um primeiro momento, poucos salões estarão aptos a trabalhar com a tintura sem amônia, que custa, em média, 20% a mais. “Principalmente para a mulher brasiliense, que apresenta bastante escamação do couro cabeludo no período da seca, esse produto é maravilhoso”, atesta a colorista brasiliense Tânia de Souza.

Um pouco de história
A arte de tingir a cabeleira começou há mais de 3 mil anos, com os egípcios, que usavam inúmeros corantes extraídos de animais e vegetais. Mas foi só no início do século passado que a tintura de cabelo surgiu de forma como conhecemos hoje. Em 1909, Eugène Schuller, recém-graduado da Faculdade de Engenharia Química da França, cria um produto inovador, batizado de Oréal, à base de elementos químicos, principalmente a parafenilenediamina. Até então, as tentativas de criar tinturas em larga escala eram à base de henna e sais minerais, que agrediam os fios. Schuller funda, então, a Société Française des Teintures Inoffensives pour Cheveux, que, em 1933, viria a se chamar L’Oréal.

Pílulas diárias de beleza
Já imaginou tomar diariamente uma pílula e ficar com o cabelo lindo, sedoso e brilhante? É isso que promete a Innéov que, recentemente, lançou um nutriconcentrado de beleza que, por conta dos nutrientes presentes em sua fórmula, garante combater a queda capilar, reforçar a microcirculação e limitar os efeitos dos radicais livres na raiz dos fios. A novidade vem em fórmula de cápsulas, que devem ser ingeridas diariamente. De acordo com a diretora de marketing da empresa, Roberta Rocha, os resultados tornam-se visíveis a partir do terceiro mês de uso. “Os nutricosméticos traduzem uma tendência mundial em se cuidar da beleza de dentro para fora. Em vez de usar a conhecida via tópica, como os cremes e géis, são cápsulas para uso oral que trazem benefícios para o embelezamento”, explica a farmacêutica Leandra Sá de Lima. Ela alerta, porém, que antes de sair por aí comprando as pílulas, é preciso consultar um profissional de saúde.
“É preciso saber a quantidade de componentes presentes na composição, já que uma dose elevada de nutrientes também pode intoxicar”, observa a nutricionista Denise Samari Silva Pelles. Ela alerta que outra coisa a ser observada é se a flora intestinal está absorvendo direito o produto. “Se não estiver, é preciso associar as pílulas a outros medicamentos que complementem a deficiência. O médico precisa analisar se a dosagem está exagerada, ver quais as necessidades em relação ao nutriente para chegar à ideal. É interessante que se faça um exame para descobrir isso.”
O dermatologista Luiz Carlos Cuce, professor emérito da Universidade de São Paulo, não acredita, porém, nos efeitos desse tipo de pílula. “O colágeno é digerido pelo intestino e não chega à pele”, justifica. “Ainda não vi nenhum caso de um paciente que tenha feito uso das pílulas e tenha sido bem sucedido.”

Louca por novidades

Marcelle reconhece o mal que o excesso de química faz ao cabelo: hidratação e investimento em produtos de qualidade - (Rafael Ohana CB/D.A.Press)
Marcelle reconhece o mal que o excesso de química faz ao cabelo: hidratação e investimento em produtos de qualidade

Marcelle Franco Amaral é adepta das novidades nos salões de beleza há 12 anos. Não há como precisar ao certo quantos procedimentos foram, mas a bancária de 28 anos conta que já testou vários tratamentos em busca de um cabelo mais macio e sedoso. Atualmente, retocar as mechas louras e garantir que os fios estejam sempre brilhantes com diferentes tipos de hidratação estão no topo da lista de prioridades na cadeira dos salões. “O cabelo fica bem mais elegante.”
Mas deixar as mechas e os fios no lugar tem seu preço — literalmente. A cada visita ao salão — geralmente, de dois em dois meses —, Marcelle desembolsa em torno de R$ 300. “Sempre que venho retocar as mechas aproveito para hidratar o cabelo, secar e cortar. Tudo isso vai agregando valor.” E é justamente no momento da hidratação que surgem as novidades irresistíveis. “Quando o cabeleireiro diz que tem um produto novo, faço na hora. Nem me lembro o nome do último”, admite.
Hoje, ela conta que a escova progressiva não faz mais parte do pacote. Apesar de diminuir consideravelmente o volume dos cabelos, a longo prazo os produtos químicos presentes na fórmula acabaram por deixar os fios com uma aparência pouco desejável, com pontas duplas e ressecados. Para resolver o problema, só mesmo com muita hidratação — especialmente em casa. “Agora, cuido dele com leave in e algumas máscaras que deixo no cabelo depois de lavar. Quando você toma a decisão de fazer tintura ou química, tem que investir em marcas boas e ter disciplina”, ensina.

Os fios, assim como a pele, envelhecem
O tempo vai passando e ele já não é mais o mesmo. A cor mudou, a textura também. As escovadas, antes vigorosas, agora precisam ser feitas com mais cuidado, já que os fios estão quebradiços e frágeis. Até o jeito de ser está diferente: agora, o cabelo parece mais ondulado. As pontas estão ressecadas. Geralmente, associado ao aparecimento dos temidos cabelos brancos, o envelhecimento capilar não é só uma consequência do passar dos anos. Ele vem para todos, e pode até chegar antes da hora. Tudo depende de como você trata suas madeixas e de como leva a vida.
Além das mudanças na cor, na textura e na resistência, o tricologista Ademir Júnior frisa que há outros indicativos de que o cabelo está ficando velho: a perda do brilho, da maciez, da elasticidade e da hidratação dos fios. Como em todo o restante do organismo, a saúde dos fios está diretamente relacionada aos cuidados que se tem com o corpo no dia a dia. “Calor em excesso (secador e chapinha), água muito quente no banho, químicas de transformação, piscina, mar, cigarro e poluição aceleram o envelhecimento capilar”, enumera o médico.
Mas como, exatamente, ocorre esse envelhecimento? Valcinir Bedin, presidente da Sociedade Brasileira para Estudos do Cabelo, explica que, como todas as células do corpo humano, as do cabelo também envelhecem. Após os 50 anos de idade, os fios tornam-se mais ralos e finos — já que a densidade deles diminui com o tempo. “Isso acontece porque existe a somatopausa, que é a parada de crescimento celular”, completa o também tricologista. Ter predisposição genética também é um dos fatores que influenciam no tempo do processo. Por isso, Bedin destaca que é possível uma pessoa jovem ter fios envelhecidos.
E, para as adeptas de procedimentos como tinturas, permanentes e alisamentos, um alento: segundo Valcinir Bedin, não há nada que se possa fazer, do ponto de vista externo, que piore o processo de envelhecimento capilar. Para manter os fios com uma aparência jovem e saudável, a recomendação do médico é investir em uma boa alimentação, hidratação interna constante e cuidados externos, como o uso de filtro solar e hidratantes. Por falar em hidratação, não economize nos banhos de creme: eles são importantes aliados para manter os fios bonitos e sempre brilhantes. “O ideal é que se faça uma hidratação dos fios uma vez por semana. Quando se sente com os dedos uma leve aspereza, já é hora de hidratar”, acrescenta Bedin.

Lisos, mas sem agressão
Chapinha, baby liss, escova de chocolate, de açúcar, marroquina, japonesa e mais uma infinidade de nomes e alternativas para um problema que parece perseguir todas as representantes do sexo feminino que já pisaram no planeta: a vontade de ter um cabelo diferente do que o que a natureza impôs. Antes de se entregar às novidades dos cabeleireiros, porém, é preciso se informar sobre a composição química dos produtos e da sua ação nos fios a longo prazo. Se você tem cabelos crespos ou cacheados e sonha em exibir uma cabeleira lisa, a professora da faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) Maria Valéria Velasco explica que o relaxamento e o alisamento são duas opções muito procuradas, mas que, no fundo, querem dizer a mesma coisa. “Quando o objetivo é só diminuir o volume, as pessoas dizem que é relaxamento.”
No alisamento, porém, o que muda é a quantidade de produto e o tempo de efeito no cabelo. Maria Valéria, que também dá palestras sobre alisantes e relaxantes capilares em cursos de especialização em tricologia, aconselha esperar no mínimo três meses entre uma aplicação e outra, para que os fios tenham tempo de crescer. “Os produtos são aplicados na parte nova do cabelo”, explica. Por isso, é necessário esperar que a raiz alcance de dois a três centímetros, uma vez que o produto não pode entrar em contato com o couro cabeludo. Ela explica que, como são feitos com hidróxido de sódio (também conhecido como soda cáustica), o contato dos produtos com a pele pode causar queimaduras.
Menos invasivas que alisamento e relaxamento, ela diz que as escovas que usam proteínas, aminoácidos, queratina e polímeros são as mais indicadas para quem procura apenas uma forma de deixar o cabelo ondulado mais liso. Contudo, para cabelos mais rebeldes, como os crespos e cacheados, a opção não tem tanta eficácia. “Essas escovas surgem como se fossem novidade, mas usam basicamente um só compenente químico, que é a amônia”, analisa Maria das Graças Santos, cabeleireira de um salão de beleza especializado em cabelo afro.
A diferença dos cabelos afro para os demais, segundo Maria das Graças, é a necessidade de constante oleosidade. A curvatura dos fios dificulta que o óleo natural dos cabelos percorra todo o cabelo. Por isso, é importante investir em cremes com componentes oleosos na fórmula, como lanolina e glicerina. “Métodos com amônia não são indicados para o cabelo crespo, porque aumenta o ressecamento”, completa a profissional. A hidratação para esse tipo de cabelo deve ser feita duas vezes por semana. E cuidado para não confundir cauterização ou selagem com hidratação: embora ajudem a dar um aspecto mais leve ao cabelo, os dois procedimentos não são para hidratar. “São métodos alisantes, pois misturam formol”, alerta. Para minimizar os danos, ela aconselha o uso de produtos com hidróxido.

Materia: REVISTA do CORREIO, do Jornal Correio Braziliense, de 26.09.2010